sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

1. Morte de Meg


          Meg  tinha essa alma livre, plenamente presa num corpo adulto cheio de obrigações. Era um grito entalado que sufocava suas vias respiratórias; era um choro que não lhe escorria a face o que a deixava sem vida, com sua  agonizante tosse nervosa; era a vontade de se isolar que se disfarçava no constante sorriso em seu rosto: um sorriso que demonstrava felicidade, mas que dizia desespero. Ela sempre o teve como disfarce. Se desconfiassem dela, aquele sorriso aberto dissiparia qualquer dúvida que recaísse sobre sua cínica alegria. E como era cínica! Assim como palhaços, gente muito alegre convive constantemente com seus cansaços. É realmente exaustivo tentar ser leve e, ao mesmo tempo,  conviver com quem reclame da vida o tempo inteiro. Uma simples cara fechada na condução matinal já a destruía rapidamente. E ela não era diferente dos exaustos felizes: por trás da face alegre, um cansaço que lhe pesava os ombros e  lhe doía as costas. 
              Essa luta com o mundo, refletida em sua voz rouca, pois era na garganta que concentrava e tensionava os dissabores. Estava desistindo de qualquer coisa (quem a olhasse de verdade perceberia a gravidade estampada em sua pele, com a boca seca, prestes a soltar com força o tal grito - e provavelmente era disso que a sua alma precisava). Mas, por hoje, bastaria um abraço e uma palavra (ou várias) de amor; desejava o carinho incessante de uma noite inteira; queria, mais do que nunca, não se sentir só nas preocupações e no anseio de poder ser leve, verdadeiramente. 
         Mas, no fundo, deprimida de novo, incompreendida de novo, deveria se recompor das poucas lágrimas que já lhe chegavam ao pescoço, pois o dia seguinte era mais um que lhe tiraria mais de seu corpo e de sua mente, mais um dia sem fim, desejando  as férias que não viriam ou o bilhete premiado da loteria. Imaginava que um surto repentino sairia dela e que isso até poderia ser evitado, se a olhassem com atenção ou se tomasse aquele leksotan guardado na estante. Se não tivesse obrigações no dia seguinte, já o teria tomado, pensou. E, mais uma vez, sentia-se como se não pudesse tomar simples decisões sobre si. Não podia tomar o remédio,  havia esforços demais  para o  amanhã. E, após pensar isso, mais cansaço, mais dor nos ombros (e sem previsão de massagem!), mais triste se sentia. Havia a sobrecarga de sonhos, de preocupações, de dores e dessa certa solidão. Queria poder dividir com quem lhe desse atenção, mas um abraço compreensivo bastaria. 
              Entretanto, o dia passou e a vontade de sorrir também. Sentia-se como se estivesse  perdendo o talento para ser cínica. Nem que fosse só para si. E ela sonhava com sua alma livre, para respirar o ar puro da serra e ver a beleza do mar. Sem hora para ir embora. Sem sentir que a vida vai passar. Sem medo de não ter a chance de desfrutar o que conquistou, ou voltar a dançar e cantar naquele luau com os amigos,  em volta do fogo. Quando iria poder cantar novamente, com sua voz inteira? Ela pensava e doía o coração... E o som preso de sua voz invadia o desejo de se sentir linda de novo, com a alma livre, respirando pureza.  E talvez fosse melhor não pedir pela atenção de que precisava desesperadamente, ou talvez estivesse cansada, mais uma vez, de tanto esforço desperdiçado. Melhor seria entregar-se ao merecido descanso pelo qual implorava seu corpo. E descansar do cansaço, por mais redundante, repetitivo e enfadonho que seja isto: entregar-se ao que lhe quer, o sono arrebatador. Bem, melhor que não ser desejada por coisa alguma...
               Pelo menos assim poderia ter sonhos cintilantes de princesa, com vestidos de mangas bufantes e maquiagem impecável; e poderia cantar no tom mais agudo que houvesse, enquanto passarinhos tocariam sua pele, com a felicidade estampada no rosto. E talvez, sorrindo, deixasse seu corpo falecer devido ao amor proibido, que a entorpeceria de paixão e desejo ardentes, até que pouco ar lhe sobraria, quando, enfraquecida, com seu último suspiro, escorrer-lhe-ia a última gota do vinho tinto preferido, suave como a rosa vermelha em suas mãos, cujos espinhos furar-lhe-iam a pele, enquanto, finalmente, tentaria gritar, mas, sem forças ou sangue, apenas sussurraria: "EU AMEI..." e ela, inteira, se eternizaria num surpreendente meio sorriso... Para sempre.


Tatiana Tchu

Um comentário:

  1. O que dizer... Dizer sem sentir ou sentir sem dizer? "Tudo certo quanto dois e dois são CINCO".

    ResponderExcluir