domingo, 3 de fevereiro de 2013

2. Meg e as Margaridas



            Meg abre o olho e pisca duas vezes. Diante dos olhos, o campo, repleto de margaridas, harmonicamente infinito, junto ao céu azul e brilhante e a uma leve brisa gostosa que toca seu rosto. Aquele era o lugar dos seus sonhos. Sempre que fechasse os olhos, conseguia se transportar para seu campo de margaridas, com aquela casinha branca de janelas azuis, simples e perfeita. Mais à frente, um riacho, com uma pontezinha de madeira, que levaria para mais verde, mais infinito e mais cores das flores coloridas. Ela, deitada sob as flores, fechava os olhos novamente e respirava fundo o ar puro do lugar. Abria de novo e sorria para as margaridas, "a flor mais alegre do campo". Estava feliz, com aquela paz levada pela envolvente natureza.
            Ali, poderia desfrutar de bom ar para os pulmões, tranquilidade e gotículas da chuva que viria mais tarde. E ela dançaria debaixo da água que cairia do céu, encharcando o vestido novo, com a alegria dessa sua juventude. Mas não era devido à idade, apenas. Meg era eternamente jovem de espírito, e assim o seria quando adulta também. Havia um frescor em sua pele, um otimismo em seus pensamentos e uma pureza em seu olhar que jamais a deixariam envelhecer.
            Meg tinha 15 anos, sonhos esvoaçantes e margaridas por toda a parte. Ali, poderia ver os peixinhos no Riacho de Poème e passar a vida lendo contos sob a sombra dos Flamboyants de flores bem vermelhas. Atravessando a ponte, havia muitos deles; tantos, que, às vezes, nem se via a grama, pois as flores avermelhavam o solo, misturando-se às amarelas de alguns Ipês. Nada era tão confortante quanto deitar em suas margaridas e ver a paisagens das árvores de longe. Meg desejava mesmo estar ali e simplesmente sentir a presença de si mesma, enquanto fechava novamente os olhos e, sem querer, adormecia vez ou outra, até tendo sonhos curtos, sobre qualquer pétala de flor que conseguiria voar na chuva.
            Ela abre os olhos e vira sua atenção para a casinha. Pensa que está na hora de pintar novamente as janelinhas azuis, mas com um tom mais intenso,"turquesa!", grita sozinha, com a voz que soa como um zumbido naquele cenário de imensidão. E ela se levanta, abruptamente, e corre até a porta da casa, fazendo com que seus cabelos voem no ar e sua pele sinta o vento na contramão. E ela deita na rede, olha tudo ao redor e se levanta novamente. Estava inquieta. Precisava mais uma vez pintar as janelinhas, mas a chuva logo viria. Ela sempre caía no mesmo horário, no fim da tarde. Então, buscou uma tela e tinta guache, começando a pintar cores de maneira disforme, apenas para manter a mente ocupada com elas. Achava todas as cores lindas! Pensava que o pior que lhe poderia acontecer seria perder a visão, pois não poderia ver as cores, seus tons, sobretons e todas as suas nuances. Não pintava para haver sentido, mas para misturá-las. Era um fascínio, uma necessidade de seu espírito.
           Na varanda, olhando a paisagem, começava com o amarelo, depois o vermelho, o rosa, o azul... E a mistura viraria lilás, fúcsia, roxo, laranja e algo acinzentado. Assinou seu apelido e sorriu para o resultado de cores misturadas, sem nenhuma definição de desenho. Sentiu, então, a primeira gota cair em seu braço e escorrer até se desfazer. Mais um sorriso de alegria. Havia chegado a hora. Meg leva rapidamente a tela para o meio do campo de margaridas e deixa que a chuva, agora já em várias gotas grossas, fosse alterando sua pintura e enfraquecendo as cores que pintara. Ela, sentada em frente à tela, sorria e sentia seus cabelos umedecendo, e as gotas escorrerem em seu rosto. Como amava chuvas de verão! Como amava as cores se desfazendo! E a chuva, agora muito forte, leva embora toda a cor de sua tela, deixando simples mancha, como uma sombra de algo que foi cor um dia. Ela ri, ri muito, sozinha, molhada, com o vestido novo colado ao corpo, quando sente a presença de um olhar. Vira-se para trás, e lá está ele, do outro lado do Riacho, com um guarda-chuva preto e roupa azul-marinho, olhando-a com estranheza: o rapaz com quem havia sonhado todas as noites após a chuva. Ela sorri. Ele disfarça. Ele corre para a outra direção. Meg olha sua partida com o coração acelerado e certa seriedade intrigante - momento único vindo dela. Ele vai embora enquanto ela diz, sozinha: "é ele!". Mais um largo sorriso e leva a tela para dentro de casa, correndo. Sempre correndo.


Tatiana Tchu

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